Os textos aqui reunidos inauguram o Caderno Especial MDOC, com propostas de leitura submetidas em conversa com dois programas do MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço.
Uma das propostas chega-nos da edição de 2023 do Fora de Campo, um curso de verão organizado anualmente pelo MDOC e que, nesta edição, coordenada por José da Silva Ribeiro, Manoela dos Anjos Rodrigues e Alfonso Palazón Meseguer, é dedicado ao tema “Cinema Autobiográfico / Autobiografias no Cinema”. O artigo é redigido por José da Silva Ribeiro e Manoela dos Anjos Rodrigues, e cumpre a dupla função de, por um lado, servir de suporte de análise das diferentes formas como a narrativa autobiográfica é utilizada no cinema, e, por outro, de introdução aos debates que se desenrolarão na edição de 2023 do Fora de Campo.
A segunda proposta conecta-se com o X-RAYDOC, uma conversa sobre a história do documentário que integra a programação regular do MDOC e é coordenada por Jorge Campos. Na edição de 2023, o X-RAYDOC convida Luís Mendonça para um debate sobre os filmes Stravinsky e Lonely Boy, de Wolf Koenig e Roman Kroitor, a sua relação com a série prévia de documentários Candid Eye, e seu lugar no Cinema Vérité / cinema direto.
A originalidade deste texto, se alguma tiver, reside exclusivamente no facto de começar pelo fim, ou seja, pela controvérsia gerada em torno daquilo a que se chamou, e continua a chamar, cinéma-vérité, direct cinema ou, simplesmente, vérité. Só depois se falará do elo, porventura, mais negligenciado dessa aventura, o seriado documental para televisão intitulado The Candid Eye produzido pela Unidade B do National Film Board (NFB) do Canadá. Primeira nota, este cinema, que quis surpreender a vida tal como ela é, marcou o final dos anos 50 e o início dos anos 60 do século passado. É indissociável do aparecimento das câmaras de filmar portáteis, bem como da invenção dos sistemas de gravação de som síncrono. Segunda nota, sob o guarda-chuva da palavra vérité cabem cineastas tão diferentes quanto o são Robert Drew, Albert Maysles, Mario Ruspoli, Jean Rouch, D. A. Pennebaker e Michel Brault, para citar apenas alguns. Terceira nota, o termo impôs-se depois de Jean Rouch e Edgar Morin terem proclamado, no início de Chronique d’un Été (1960), que se iria assistir à primeira experiência de cinéma-vérité. Com o passar do tempo, paradoxalmente, a palavra vérité viria a ser popularizada na América para designar o direct cinema, ao passo que na Europa direct cinema tomaria o lugar de vérité. Pode parecer um pouco confuso e é. Mas é mesmo assim. Quarta nota, Louis de Marcorelles, na sequência do célebre encontro de que a seguir se fala, escreveu nos Cahiers du Cinema: “il n’y a pas de cinéma-vérité.”
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