Na 10ª edição da Conferência Internacional de Cinema de Viana, acolhemos a mesa-redonda CINEMA . EDUCAÇÃO . COMUNIDADES, dedicada ao cineclubismo e às suas múltiplas relações com processos públicos de educação e divulgação do cinema.
Foi nessa edição que o nosso colega catalão Pablo Sancho Paris nos desafiou com uma definição provocadora: o cineclubismo, defendeu, é, antes de mais, uma prática egoísta. E explicou: os cineclubes programam a exibição de filmes, primariamente, porque os cineclubistas os querem ver. Estamos, portanto, perante uma força colectiva de acesso à cultura, motivada pelo interesse próprio de quem procura aceder ao cinema de autor, ao cinema independente, a todo o universo audiovisual que nos provoca, desafia e critica. E perante um público que procura essa experiência, que tanto a quer que activamente a resgata ao controlo dos canais principais, comerciais, de comercialização fílmica.
É, portanto, uma educação cultural que se procura, trazida a nós pela força de vontade da organização comunitária. A provocação de Pablo Sancho Paris deduz deste egoísmo de se motivar a exibição dos filmes que queremos ver, um factor de agitação cultural que promove a democratização no acesso à cultura e sustenta um grande circuito, internacional, de cinema, que desobedientemente se posiciona como alternativa aos circuitos comerciais.
É um lugar-comum olharmos para estas experiências culturais públicas como uma forma de aprendizagem. As artes interpelam-nos e aguçam a curiosidade, motivando assim a educação continuada. No entanto, como José da Silva Ribeiro nos avisa no artigo Imagem e pesquisa no ensino experiencial, deveremos olhar criticamente também o próprio conceito de aprendizagem, que nos remete para o imaginário de um pupilo passivamente recebendo e reproduzindo informação.
A aprendizagem activa, motivada pelo próprio aprendiz, desdobra-se em processos de educação que, no argumento de José Ribeiro, são vivos, são actos existenciais. São, necessariamente, recíprocos também, pois numa interacção viva, tanto aprende o aluno com o professor, como o professor aprende com o aluno. E, nesta reciprocidade, são decompostos também os velhos pressupostos da relação de autoridade entre mestre e pupilo, o posicionamento passivo deste perante a informação que lhe é apresentada.
Encontro no egoísmo cineclubista de Pablo Sancho Paris esta aprendência, na forma como se aplica às organizações e aos grupos, e ao movimento das comunidades que procuram apropriar-se das diversas formas culturais para sua própria edificação, em nome do seu interesse individual e colectivo na aprendizagem com a cultura. Não esquecendo, também, o prazer do usufruto, e a sua celebração, aspectos fundamentais para a solidificação dos projectos cineclubistas como projectos vivos, como actos existenciais.
É neste espírito de aprendência que lançámos a publicação que se segue, produzida a partir de contribuições de gente que de alguma forma se vai cruzando com a AO NORTE e nos presenteia com reflexões, questões, projectos, e experiências várias. A edição 1 da CINEMAS condensa assim uma multiplicidade de perspectivas, tonalidades de análise e temas, texturas sensoriais, abrindo-nos a curiosidade em várias frentes e motivando-nos para o movimento de aprendência que provocou a organização dos Encontros de Cinema de Viana, das várias actividades da AO NORTE e dos cineclubes em geral, assim como o lançamento desta mesma publicação. Permitamo-nos este acto existencial, talvez egoísta, mas não sendo por isso menos edificante, de procurarmos o questionamento que alimenta esta aprendizagem activa.