O documentário como ferramenta política e ideológica é aqui trabalhado por duas perspectivas: em Punk Molotov: imagens do anarquismo em movimento, Larissa Guedes Tokunaga pensa sobre o filme com o mesmo título da autoria de João Carlos Rodrigues, na forma como a obra retrata o movimento punk anarquista e nas propostas do próprio autor para a reflexão sobre movimentos sociais e identitários; em Theresienstadt: narrativas da luta racial, Hugo Nogueira Neto expõe a manipulação fraudulenta e propagandista do regime nazi na realização de um documentário sobre o quotidiano de judeus num campo de concentração.
Em Punk Molotov, o diretor João Carlos Rodrigues acompanha alguns momentos dos jovens da banda de punk rock Coquetel Molotov, entrevistando-os diretamente e inclusive participando de forma onipresente na narrativa audiovisual. O recorte espacial e temporal, focalizado na periferia da cidade do Rio de Janeiro nos estertores da ditadura civil-militar (1983-1984), sinaliza a intenção de representar uma construção identitária à margem da estrutura hegemônica. Todavia, os limiares entre uma identidade territorializada e a construção de uma imagem performática se tornam esboroados no decorrer da narrativa. O modelo que o diretor e os jovens protagonistas cultivavam acerca do movimento anarquista, sintetizado em emblemática cena do empunhar de livros de autores clássicos do movimento, incitou ao questionamento da tenuidade das representações identitárias. O estilo cênico se apropria de referenciais anarquistas, embora tal construção não pareça se enraizar em uma ética ortodoxa do pensamento libertário. Transitando entre a rebeldia estética do punk e um desejo em devir de forjar um novo ethos libertário, percebe-se como as imagens se alinham em um exercício cotidiano de “sujeitos nômades”. Pensando nas identidades sob o prisma da singularidade, à luz do arcabouço conceitual das ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari, tem-se como escopo interpretar a iconicidade das representações anarquistas veiculadas pelo documentário Punk Molotov.
ver artigo em pdfIn Punk Molotov, director João Carlos Rodrigues follows some moments by the young people from the punk rock band Coquetel Molotov, directly interviewing them and additionally participating as a constant presence in its audiovisual narrative. The spacial and temporal segment, which focuses on the periphery of the Rio de Janeiro city during the ending times of the civil-military dictatorship (1983-1984), signals the intent to represent an identitary construction outside the hegemonic structure. However, the limits between a territorialized identity and the edification of a performative image become eroded during the narrative. The model that both director and young protagonists nurtured around the anarchist movement, synthesized in a poignant scene in which they hold books by the movement’s authors, incited the questioning of how tenuous identitary constructions can be. The scenic style appropriates anarchists referentials, though such a construction doesn’t seem to root itself in an orthodox ethics of libertarian thought. Transitioning from the rebellious aesthetic of punk to a desire and becoming of a new libertarian ehtos, one understands how images align in an everyday exercise of “nomad subjects”. Thinking about identites under a singlarities point of view, in light of the conceptual baggage brought by Gilles Deleuze and Félix Guattari, the scope is to interpret the iconic anarchist representations undergone by the Punk Molotov documentary.
O presente artigo aborda a fraude documental produzida pelo alto comando da SS Theresienstadt, ein Dokumentarfilm aus dem jüdischen Siedlungsgebiet (“Theresienstadt, um documentário do assentamento judaico”, 1944, de Kurt Gerron). Tratando-se do único documentário que tomou como assunto o cotidiano de um campo de concentração judaico, a análise dessa obra lança luz sobre as dissonâncias entre as políticas raciais do regime hitlerista e o apelo do antissemitismo na cultura de massa. Pelo que o artigo problematiza as flutuações do registro imagético do judeu nos filmes da época nazista entre o final de década de 1930 e o início dos anos 1940 e o ulterior esforço de apagamento dos vestígios da política genocida almejado por essa realização.
ver artigo em pdfThis article deals with a documentary fraud produced by the SS High Command, Theresienstadt ein Dokumentarfilm aus dem jüdischen Siedlungsgebiet (“Theresienstadt, a Jewish Settlement Documentary”, 1944, by Kurt Guerron). As this is the only documentary that concerns the daily life of a Jewish concentration camp, the analysis of the film sheds light on the dissonances between the racial policies of the Hitler regime and the appeal of anti-Semitism in mass culture. As a result, the article discusses the fluctuations of the image of the Jews in the Nazi era films between the late 1930s and early 1940s and the subsequent effort to erase the traces of the genocidal policy sought by this particular work.