Não existe, em bom rigor, uma aldeia chamada Honória. O lugar está lá, devidamente identificado pelas tabuletas de entrada e saída, na estrada da Turfeira da Morela, entre terras do Barroso e terras do Gerês. Não existe porque Honória é hoje uma pequena parte do que já foi: ao longo do tempo, o seu aglomerado foi dando lugar a leiras, campos de cultivo e baldios.
Encravada entre as Casas Senhoriais de Bragança e de Toroño, Honória teve Carta de Couto outorgada por Fernão Mendes, 2.º senhor de Bragança, nos finais do século XI. É a mais antiga referência conhecida ao lugar. Nesse mesma carta, a aldeia passava a ter o privilégio de asilo, o de cunhar moeda e o de aprovar e fazer cumprir legislação penal e civil, assim se tornando numa espécie de micro-estado independente, dirigido por um conselho de três juízes. Aliás, foi desta forma que ambas as casas senhoriais – e por extensão, os Reinos de Portugal e de Castela – consideraram Honória até ao tratado de delimitação de fronteiras, assinado entre Espanha e Portugal em 1864, que passou a integrar a aldeia e os seus termos no território português, por troca com os chamados Povos Promíscuos. Nessa altura, Honória tinha-se tornado refúgio de mercenários, assassinos e contrabandistas fugidos às justiças dos dois reinos.
Há quem diga que o nome Honória advém de uma princesa visigótica epónima, que lá terá vivido. Porém, a existência de um ribeiro dito de Onor, ali perto, desmistifica a velha narrativa. Do antigo núcleo central da aldeia restam algumas casas e o cruzeiro. Um pouco mais a norte (possivelmente no lugar das primeiras edificações de Honória) está a Igreja de São Cosme e São Damião: último traço de um passado próspero, erguida em meados do século XVI, de imponência maneirista rara de ver nestas paragens – diz-se que para combater os ritos pagãos das Estântegas: prenúncios de morte, quase sempre associados a avistamentos de fogos-fátuos e à crença de que a alma do morto passa a habitar numa árvore.
Em Honória moram 16 pessoas. Há um café chamado Paris, que está quase sempre fechado. O centro de saúde mais próximo fica a 37 quilómetros. A escola primária, a 22. O hospital, a 50. A 7 quilómetros fica a barragem do Homem Alto – da aldeia, chega-se lá por um antigo caminho de contrabandistas.
Desde 2007 que passo por Honória com frequência. Não conheço nenhum dos seus habitantes, ainda que os cumprimente a todos. Em longos passeios a pé ou de carro percorro o espaço quase sempre deserto. Quase sempre aos sábados.
Com o apoio de Cité Internationale Universitaire de Paris, Maison du Portugal - André de Gouveia
Galeria Espaço AO NORTE
Praça D. Maria II, n.º 113, r/c
4900-489 Viana do Castelo
De segunda a sexta-feira, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 18h30
Oficina de Fotografia da AO NORTE
Eduardo Brito trabalha em museologia, fotografia e cinema. Tem o mestrado em Estudos Artísticos, Museológicos e Curadoriais pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com a tese Claro Obscuro – Em Torno das Representações do Museu no Cinema. Foi coordenador do Reimaginar Guimarães, projecto de arquivo, curadoria e edição de espólios fotográficos desenvolvido na Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Entre a escrita, a fotografia e o cinema, os seus trabalhos têm explorado os temas verdade-ficção-memória, bem como a relação texto-imagem: assim com o livro As Orcadianas (Grisu, 2014) e com as séries fotográficas 5 p.m. Hotel de la Gloria (com Rui Hermenegildo, 2015) e Revisão (2017). Escreveu o argumento dos filmes O Facínora (Paulo Abreu, 2012), A Glória de Fazer Cinema em Portugal (Manuel Mozos, 2015) e O Homem Eterno (Luís Costa, 2017).
Realizou a curta metragem Penúmbria (2016).